A mobilidade Urbana no Brasil

A mobilidade urbana está diretamente relacionada à qualidade de vida das pessoas. Basta imaginar viver em uma cidade onde, deslocar-se por ela, seja algo fácil, agradável e a um preço acessível. Tudo é muito lindo de se imaginar.

Mas a realidade, quase sempre, é outra.

Boa parte dos prefeitos tem muita dificuldade para conseguir melhorar a situação dos transportes públicos e das vias – o que inclui calçadas, ciclovias, veículos, corredores de ônibus, transporte escolar e muito mais – porque sequer sabe o que é “a tal mobilidade urbana”.

Professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em política de desenvolvimento territorial, Joaquim Aragão sugere que, antes de definir as prioridades de sua gestão, os prefeitos observem algumas características de seu município – principalmente com relação ao tamanho e ao número de habitantes.

“Todas prefeituras, independentemente do tamanho do município, precisam, antes de tudo, levar em conta as boas condições de mobilidade para os pedestres”, enfatiza Aragão ao ser perguntado sobre quais primeiros passos o gestor deve dar para melhorar o ir e vir das pessoas em sua cidade.

“Em municípios de área rural ou de perímetro urbano delimitado, por exemplo, muita coisa pode ser resolvida com bicicleta, deslocamentos a pé ou com mototáxis que, além de serem renda para muita gente, são muito relevantes e usados pela população – e, por isso, precisam urgentemente ser regularizados até mesmo para que esses profissionais sejam treinados, de forma a prestar um serviço seguro”, explica o professor.

Segundo Aragão, no caso de municípios rurais, um dos grandes desafios para os prefeitos está relacionado ao transporte escolar rural, que desloca os estudantes entre a casa e a escola. Por meio de um ajuste contratual e com uma regulação inteligente, é possível permitir que os operadores contratados circulem e estendam o serviço aos demais cidadãos, enquanto os alunos estão em aula ou já tenham retornado a suas residências.

“Nossa experiência mostra que o transporte escolar tem papel muito importante, que vai além de ser apenas escolar. Mas, para serem bem aproveitados, esses veículos têm de ter garantias quanto a sua manutenção, segurança e regularidade”, diz o especialista, ao lembrar que recursos para esse fim podem ser obtidos com a ajuda do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

No caso das cidades de médio porte, a preocupação vai além do transporte escolar. Segundo Aragão é necessário ter um sistema de ônibus mais adequado. Mas, para isso, é necessário ter um contrato que, de fato, busque a melhor entre as propostas apresentadas. Principalmente nos casos em que a prefeitura não tenha técnicos para ajudar no controle e na verificação da qualidade do serviço.

“Nesse sentido, é muito importante que haja diálogo entre população, operador e operador público. Essas três partes têm de dialogar, e não apenas ficar reclamando uma da outra. Trata-se de uma política de construção consensual para a cidade”, argumenta Aragão.

Já as cidades de maior porte precisam de um sistema com planejamento público mais definido, com um transporte de massa mais pesado. A começar por corredores exclusivos de BRT (Bus Rapid Transit), até chegar a sistemas sobre trilho, necessários para cidades com população acima de 2 milhões de habitantes.

“É importante ver também outros meios de transportes que não sejam motorizados, como as bicicletas, que têm papel muito importante hoje em dia. Outros pontos a serem considerados são o tráfego e os estacionamentos nas áreas centrais, para que os carros não estacionem de forma a perturbar a circulação. Tem de haver uma boa política para que realmente haja uma boa utilização disso tudo”.

A circulação do transporte de carga também tem de ser levada em conta porque é muito comum os prefeitos se preocuparem com transporte coletivo e acabarem se esquecendo dos veículos de grande porte que, em muitos casos, acabam tendo de circular nas pequenas vias do município. “Os prefeitos precisam ficar atentos para impedir que caminhões e carretas rodoviárias circulem livremente, atrapalhando o trânsito e danificando calçadas e asfalto”, disse Aragão.

Uma coisa é consenso entre os especialistas consultados pela Agência Brasil: para dar fluidez ao trânsito é fundamental que se tenha serviços de transportes públicos eficientes e que eles sejam priorizados em relação aos automóveis.

É o que defende o presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha. “Faixas exclusivas à direita da via é uma medida barata e eficiente porque muitos dos problemas que se têm atualmente estão relacionados à valorização e à prioridade que se deu ao transporte individual ao longo dos últimos 25 anos. Precisamos mesmo priorizar o deslocamento do ônibus”.

De acordo com a entidade, os automóveis ocupam 70% do espaço viário e transportam 25% das pessoas, enquanto os ônibus ocupam menos de 10% e transportam 40% da população. “Até do ponto de vista da democratização do espaço urbano, é justo investir no transporte publico”, disse o executivo.

Segundo o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, o Brasil evoluiu muito na implantação de faixas exclusivas e corredores de BRT, mas seu uso é pouco, se comparado ao potencial que este modal tem.

“Uma boa medida [para ilustrar seu pouco uso] é a quantidade de quilômetros com faixa exclusiva, em comparação com o total de quilômetros de vias servidas por ônibus. Hoje, a média no Brasil é de apenas 4,4%. Ou seja, a cada 100 km de vias onde circulam os ônibus, apenas 4,4 km têm prioridade”.

A ANTP estima que as cidades com mais de 250 mil habitantes ainda precisam de cerca de 9 mil km de vias com prioridade, sendo 7,7 mil km de faixas exclusivas à direita da via; 1,1 mil km de corredores centrais de avenidas; e 198 km de BRT, com corredores mais sofisticados.

Para a ANTP, a integração do transporte público é indispensável porque ajuda a racionalizar as redes de transporte, criando linhas tronco (grandes corredores) que são alimentadas por linhas de bairro, tendo como ponto de conexão os terminais de transferência. Na avaliação de Néspoli, isso é fundamental para redução do custo, pois evita que todas as linhas venham até as regiões centrais da cidade, o que envolve maiores despesas.

“A integração – tanto física, via terminais, como tarifária, via bilhetes únicos – cria maior possibilidade de uso do sistema de transporte, facilitando a vida do cidadão. Mas tem de ter especial atenção porque a baldeação tem de ser feita em melhores condições físicas, com melhores terminais. E tem de ser pontual, para que as pessoas não fiquem esperando muito tempo para trocar de veículo”, explica.

“Segundo a Política Nacional de Mobilidade Urbana [Lei 12.587/12], estas receitas podem vir da tributação dos meios de transportes que geram mais impactos negativos – e que as cidades precisam desestimular, como o carro particular. Seja por meio de uso de recursos de estacionamentos, zona azul, ou taxas sobre os transportes por aplicativos ou sobre a gasolina”, defende o pesquisador do Idec.

Esse fundo, segundo ele, pode ser composto por outras fontes mais simples, como a exploração de publicidade nos ônibus, pontos e terminais. “Além das tarifas, os fundos podem ajudar também a desenrolar e concretizar obras como corredores, ciclovias e ampliação de calçadas”, sugere.

A NTU também defende o rateado do transporte público com toda a sociedade. “Afinal, o beneficio de seu uso não é restrito ao usuário. Toda atividade econômica pode ser dinamizada na cidade com um bom transporte público. Indústria, comércio, serviços, lazer podem ser dinamizados graças a deslocamentos fáceis, baratos e rápidos”, disse Cunha, presidente da associação que representa as empresas de transporte urbano.

Em resposta a uma demanda da Agência Brasil, na qual foram solicitadas informações sobre os principais apoios que o governo federal poderá disponibilizar aos futuros prefeitos na missão de melhorar a mobilidade em suas cidades, o Ministério do Desenvolvimento Regional destacou a ampliação do prazo para que mais de 1,8 mil municípios elaborem seus Planos de Mobilidade Urbana (PMU).

Cidades com mais de 250 mil habitantes deverão formular o documento até 12 de abril de 2022, enquanto os municípios com população de até 250 mil pessoas podem finalizar a produção até 12 de abril de 2023.

Cidades que ainda não apresentaram seus planos podem voltar a receber recursos do Orçamento Geral da União (OGU) destinados ao setor até a data-limite. O ministério acrescenta que as cidades que não cumprirem esses prazos só poderão solicitar e receber recursos federais destinados ao setor caso sejam utilizados para a elaboração do PMU.

A fim de apoiar os prefeitos a elaborarem esse plano, o ministério disponibiliza assistência financeira a cidades com população acima de 100 mil habitantes, via Programa Avançar Cidades – Mobilidade Urbana. Já para os municípios com população abaixo de 100 mil pessoas, a pasta oferece auxílio técnico a partir de dois instrumentos: o Sistema de Apoio à Elaboração de Planos de Mobilidade Urbana e a Cartilha de Apoio à Elaboração de Planos de Mobilidade Urbana.

“Após a conclusão da minuta do plano, a proposta deve ser discutida com a sociedade civil, votada pela Câmara Municipal e instituída como plano por meio de lei municipal ou decreto”, informa o ministério.

Outra possibilidade sugerida pelo ministério para a obtenção de recursos é a apresentação de propostas via emendas parlamentares, em ação orçamentária destinada pelo ministério para apoio à elaboração do PMU. “As solicitações ocorrem no âmbito do Programa 2.219 – Mobilidade Urbana, na ação 15UE – Planos de Mobilidade Urbana Locais”, informa o órgão.

Referência: https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-11/mobilidade-urbana-o-ir-e-vir-que-leva-alem